LS entrevista: Luiz Nadal

Esta semana, no dia 21/11, acontece o terceiro encontro do projeto conjunto entre o Isto não é um cachimbo e a Casa das Rosas, em São Paulo. Uma vez por mês, Luiz Nadal, jornalista por trás dos perfis literários, entrevista ao vivo algum escritor que já passou pelo site – entre eles Veronica Stigger, Ricardo Lísias, Lourenço Mutarelli (com perfil ao vivo programado para dezembro) e muitos outros. A convidada de novembro é Andrea Del Fuego, que lançou há pouco tempo seu novo romance As miniaturas.

Para contar mais sobre o Cachimbo e falar mais dos perfis, tanto escritos como os feitos diante da plateia, Luiz Nadal conversou com o Leitura Sabática. O resultado você lê na íntegra a seguir.

cachimbo

Como surgiu a ideia do projeto Isto não é um cachimbo

O Isto não é um cachimbo surgiu durante o ano em que vivi na Cidade do México, em 2010. Eu havia ido fazer um intercâmbio na graduação de jornalismo. Também estava indo atrás do que já conhecia do fotógrafo Juan Rulfo, dos filmes de Alejandro Jodorowsky e do pouco que sabia sobre o pioneirismo de Octávio Paz no jornalismo cultural. Era a primeira vez que eu deixava de trabalhar e apenas me dedicava aos estudos. Eu tinha todos os livros que quisesse ler e tempo de sobra. A economia mexicana andava mal, um real valia em média seis pesos, eu nem sequer passava sufoco para comer. Foi então que decidi criar um blog para entrevistar artistas mexicanos. Diretores de cinema, atores de teatro, músicos, estilistas. A ideia era contar a história sobre o encontro com cada um deles. Entrevistei pessoas que não imaginaria conseguir, como Helen Escobedo, uma das artistas plásticas mais importantes do México e que faleceu alguns meses depois. Telefonava e me apresentava como jornalista brasileiro, que estava de passagem pelo país e que escrevia para um blog de cultura – o que não era exatamente uma mentira. E entre todas as entrevistas, uma delas ficou marcada, com o escritor Alberto Chimal. Ele tinha uns contos fantásticos e ao mesmo tempo parecia um Frankenstein. Era grande, quadrado, tinha olheiras profundas. Como eu já gostava de literatura, a ideia de entrevistar escritores pareceu mais interessante. Um ano depois de voltar para o Brasil e me formar, tive a ideia de readaptar o blog para um site e definir uma linha editorial. Eu entrevistaria apenas escritores da literatura contemporânea. O projeto ganhou um novo nome: Isto não é um cachimbo – Perfis Literários. E vem sendo feito dessa forma desde maio de 2012.

Como é a preparação para a entrevista?

Antes de tudo, leio a obra do escritor. Gosto de ter a minha experiência como leitor. Anoto impressões, trechos dos livros, ideias que surgem durante a leitura. Procuro deixar claro para mim mesmo o que acho daquele trabalho. São importantes os estranhamentos, as identificações, as sacadas e as incompreensões. Depois disso faço uma pesquisa vasta na internet. Procuro saber tudo o que ficou registrado pela critica especializada, resenhas de livros, material acadêmico, entrevistas. A partir deste panorama, entre a minha opinião de leitor e as opiniões que circulam a respeito do autor e da obra, monto a entrevista. Além disso, busco todas as referências biográficas disponíveis para ajudar a descobrir detalhes sobre a trajetória de vida do escritor.

No encontro com o Ricardo Lísias (que ocorreu no dia 19/09), chamou muito a atenção a apresentação de slides descontraída que você levou para ilustrar a entrevista conforme ela ocorria. Qual foi o intuito dela?

A ideia desses encontros é também o de fazer um perfil do autor, só que ao vivo. Então procuro não fazer as perguntas tradicionais de uma entrevista, ou de um bate-papo sério sobre vida e obra. Por isso levo elementos da obra do escritor para o momento da fala. Como por exemplo o slide que utilizei na entrevista com o Ricardo Lísias. Nessa imagem havia um quarto vazio, de cativeiro. Então propus ao Ricardo que interpretasse um trecho da novela intitulada Capuz, em que o personagem é sequestrado e jogado dentro de um espaço como aquele. Esse tipo de procedimento é  bem diferente de perguntar como foi o processo de criação da novela Capuz. Espontaneamente, o escritor falou sobre a história, sobre a forma como decidiu escrevê-la e muitos outros detalhes. No final das contas, a ideia é envolver o escritor no próprio universo literário diante do público para que ele fale sobre o seu trabalho de forma mais descontraída, menos séria, e nem por isso, menos verdadeira.

Algum escritor representou um desafio pessoal para você – pela admiração, talvez?

Todos foram um desafio, mas talvez alguns ficaram mais marcados por conta de uma imagem criada pela mídia. Foi assim com a Marcia Tiburi e o Lourenço Mutarelli. Ambos já tinham uma espécie de personagem construído pela televisão, pelos meios de comunicação. Marcia como a filósofa cinza e Mutarelli como o quadrinista underground. Porém os dois encontros foram surpreendentes. Os dois foram acolhedores e reservaram muitas horas do seu dia para falar sobre o seu trabalho. Contrariaram o mito difundido pela mídia. E nos dois casos, a dificuldade foi editar o texto final, por conta do vasto material de excelente qualidade que obtive na entrevista.

O símbolo e o nome do projeto, Isto não é um cachimbo, são referências claras à obra de Magritte. O que você quer dizer com isso?

Magritte fez um quadro em que há um cachimbo pintado ao centro e, logo abaixo, os dizeres Ces’t ne pas un pipe. Me inspirei na ideia de que aquela obra não mostra um cachimbo em si, mas antes a representação dele – embora o artista belga quisesse dizer muito mais do que isso. E ao usar tal referência para dar nome ao projeto de perfis literários, significa alertar o leitor sobre o que ele irá encontrar durante a leitura. Os escritores que posam para o Isto não é um cachimbo, não são os escritores em si, seus retratos fiéis. São também representações, uma pintura com muitas camadas, que mistura seus dados biográficos ao conteúdo da obra.

Sobre o evento mensal na Casa das Rosas: como surgiu a ideia de levar ao público uma experiência que antes era apenas de leitura, o perfil?

Desde a primeira edição do site, uma das reações que se repete por parte dos leitores é saber o que está por detrás das ficcionalizações. A curiosidade não está mais em distinguir o que é verdade do que é ficção, mas por que uma ficcionalização foi feita desta ou de outra maneira. Por que Marcia Tiburi escreveu sua trilogia no carpete do seu apartamento; por que Marcelino Freire fala dos seus livros em um palco de teatro; por que Andrea Del Fuego resolveu tirar as cartas na Padaria Real? São questionamentos que encontram respostas no universo ficcional do escritor, dentro dos seus livros, das suas histórias. Então pensei que seria interessante chamar novamente os escritores já retratados para falar sobre esses detalhes, que costumo inserir nos perfis. Nesse caso, falar sobre a vida de cada um deles, seria o mesmo que falar sobre a literatura que fazem.

Vocês pretendem levar à Casa todos os escritores que foram entrevistados para o site? 

Sim, a ideia é que todos os escritores sejam entrevistados ao vivo. Para o ano que vem, inclusive, há expectativa de que os eventos sejam realizados também no Rio de Janeiro. Este último semestre está sendo de mais planejamentos do que novas publicações. A partir do ano que vem, as edições voltarão a ser mensais. E ainda com a novidade de que o projeto de perfis literários será tema da minha dissertação de mestrado.

Se houvesse um perfil do Luiz Nadal, o que você acha que os leitores descobririam sobre ele?

Certamente não descobririam nenhuma verdade, porque ele adora inventar.

Você ambienta bem a entrevista, revelando pequenos detalhes, como a trilha-sonora e o leitor ideal do escritor. O que você responderia nesse casos (no seu perfil do Luiz Nadal)?

Acompanhamento: Sanduíche de atum com suco de tangerina

Trilha-sonora: It’s all right, ma (Caetano Veloso)

Leitor ideal: Aquele que inventa o texto.

Personagem: Dorian Gray, de O retrato de Dorian Gray (Oscar Wilde)

Biblioteca: Estante estilo camping. Retangular, com dobradiças que permitem transportá-la em formato de mala. Capacidade para 30 exemplares, que são trocados a cada mês. Entre os livros da última viagem, Manuelzão e Miguilim, de João Guimarães Rosa, Dois irmãos, de Milton Hatoum e Sidarta, de Hermann Hesse.

Tudo na vida vira poeirinha…

Tenho lido muita poesia, principalmente latino-americana. Me ajuda a esfriar a cabeça enquanto resolvo os últimos detalhes da vida acadêmica e a descontrair enquanto termino a leitura de Moby Dick.

Para marcar a volta do blog à rotina, separei quatro poemas de três poetas brasileiros contemporâneos que adoro.

Para trazer um pouquinho de encanto pra esta sexta-feira. :)

MAQUETE

o déficit de atenção
da sala passa correndo
vô soprá, vô soprá

o cdf diz cuidado jairo
a feira de ciências
é amanhã

vô soprá, vô soprá
fffuuu meu sopro
de avião fffuuu

lá se vai nosso dez
em estudos sociais
e agora jairo

qual é a moral
da história
diz a professora

tudo na vida vira poeirinha
fessora poeirinha em alto
mar meu pai que disse.

– Beber, em Rua da Padaria (Record)
 

MINAS

Se eu encostasse
meu ouvido
no seu peito
ouviria o tumulto
do mar
o alarido estridente
dos banhistas
cegos de sol
o baque
das ondas
quando despencam
na praia

Vem
escuta
no meu peito
o silêncio
elementar
dos metais

– Ana Martins Marques, retirado do site da revista Piauí

A MINHA PESSOA

Só tem

Serve?

PRAIAS VIZINHAS

Vocês certamente se conhecem
e talvez até se admirem

– Francisco Alvim, em O Metro Nenhum (Companhia das Letras)

metro

Em poucas palavras

Sempre achei fenomenal o fato de alguns escritores conseguirem passar uma ideia e completar uma narrativa em apenas algumas linhas. É muito difícil, e poucos são os que fazem isso com talento, o que dá ainda mais graça aos contos que realizam essa proposta com sucesso.

É muito complicado definir o tamanho de um microconto, já que os estudos sobre esse “gênero” (que não é considerado como tal) são escassos e menos ainda são as regras: alguns consideram o tamanho aceitável até 50 letras; outros, 140 caracteres (uma nova possibilidade aberta pelo Twitter e já muito explorada, com a twitteratura).

O conto mais curto e mais famoso do mundo, com apenas trinta e sete letras, é de autoria do guatemalteco Augusto Monterroso:

Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá.

“O dinossauro” foi escrito em 1959, como parte de Obras completas (y otros cuentos), e até hoje é muito estudado e debatido internacionalmente. Afinal, o que o autor quis dizer? Quem é a pessoa que acorda? Onde ela acorda? Qual o simbolismo do dinossauro? E por aí vai…

Instigado por contos como esse, de Monterroso, o escritor Marcelino Freire desafiou cem autores brasileiros a produzirem suas próprias histórias em tamanho pequeno, o que rendeu a antologia Os cem menores contos do século, lançado em 2004 pela Ateliê Editorial.

Marcelino Freire (esq.) e Bráulio Tavares (dir.)

Na palestra sobre Julio Cortázar (foto acima) que aconteceu em setembro, no Fantasticon, mediada pelo também escritor Bráulio Tavares, ele falou um pouco sobre essa experiência:

[Marcelino] “Eu pedi que os contos tivessem até cinquenta letras, sem contar o título. (…) Falei com o Millôr Fernandes de manhã. À tarde ele me mandou um email. Ele fez um título imenso, e apenas uma frase no conto. E o texto dele tem exatas cinquenta letras, sem tirar nem pôr. ”

[Bráulio] “É o conto do ‘João-sem-braço’, né. O ditado diz que todo regulamento pode ser driblado, se você tiver criatividade suficiente para isso. Foi exatamente o que ele fez.”

Emocionante relato do encontro de Teodoro Ramírez, comandante de um navio misto, de carga, passageiros e pesca, do Caribe, no momento em que descobriu que a bela turista inglesa era, na verdade, uma perigosa terrorista cubana, que tentava penetrar num porto do sul da Flórida, para dinamitar a alfândega local, e procurou forçá-la a favores sexuais

— Capitão, tem que me estuprar em 1/2 minuto; às 8, seu navio explode.

(Millôr Fernandes)

Ainda há muito a explorar com os microcontos, e muito leitor ainda vai descobrir o quão simples e rica é esse tipo de produção. Afinal, o que vale aqui é a astúcia do autor, e seu poder de concretizar, em poucas palavras, o que muitos precisariam de páginas inteiras para conseguir.

E para quem estiver interessado, Carlos William Leite reuniu, no site do Jornal Opção, trinta célebres microcontos de escritores nacionais e estrangeiros. Vale uma boa passada de olho para conhecer mais contos, como estes:

  • A velha insônia tossiu três da manhã. (Dalton Trevisan)
  • Vende-se: sapatinhos de bebê nunca usados. (Ernest Hemingway)
  • Fui me confessar ao mar. O que ele disse? Nada. (Lygia Fagundes Telles)

Fontes: Recanto das letras e Digestivo Cultural

Sobre as ruas

“Os artistas modernos já não se limitam a exprimir os aspectos proteiformes da rua, a analisar traço por traço o perfil físico e moral de cada rua. Vão mais longe, sonham a rua ideal, como sonharam um mundo melhor. William Morris, por exemplo, imaginou nas Novelas de parte alguma a rua socialista e rara, com edifícios magníficos, sem mendigos e sem dinheiro.

Rimbaud, nas Illuminations, teve a ideia da rua babélica, reproduzindo nos edifícios, sob o céu cinzento, todas as maravilhas clássicas da arquitetura. Bellamy, no Locking Bockeard, já sonhava o agrupamento dos grandes armazéns; e hoje, entre essas ruas de sonho, que Gustavo Khan considera as ruas utópicas e que talvez se tornem realidade um dia, é o estranho e infernal sulco descrito por Wells na História dos tempos futuros, rua em que tudo dependerá de sindicatos formidáveis, em que tudo será elétrico, em que os homens, escravos de meia dúzia, serão como elos de uma mesma corrente arrastados pelo trabalho através dos casarões.”

– Trecho de Alma encantadora das ruas (Companhia das letras), de João do Rio

Solidão dos poetas

“Afirma Kafka que escrever é um sono mais profundo que a morte. Ainda pensando em  Cabral, eu me pergunto que poeta dormia dentro dele enquanto escrevia seus versos de pedra. Pergunto-me, também, que poeta dormia dentro de Kafka, levando-o a escrever uma ficção tão metódica e ríspida. Talvez Kafka e Cabral se encontrem aí: na frieza. Nos dois casos, ela parece ser apenas o nome fantasioso de uma explosão. Ninguém escreve Uma faca só lâmina, ninguém escreve O processo sem um coração em chamas. A escrita (é isso o que Kafka nos diz) é o manto com que o abafamos.

Penso em meu próprio e pequeno caso. Sempre que estou diante de situações atordoantes, quase sempre sou tomado por um súbito sono. Posso vê-lo como um esgotamento, mas também como um cobertor. Sempre que tomo minhas tristes anotações, elas me servem igualmente como uma coberta. Um anteparo. Uma defesa. Não é isso a literatura, uma maneira de dizer o impossível? Não é para isso que as palavras servem, para nos iludir a respeito de nossa solidão?”

(Trecho do ensaio Kafka e Cabral com sono, de José Castello, reproduzido na versão impressa – e no site – do jornal Rascunho)

Sobre morangos

E agora – agora só me resta acender um cigarro e ir para casa. Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas – mas eu também!?
Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.
Sim.
(Trecho de A hora da estrela, de Clarice Lispector)

Abriu os dedos. Absolutamente calmo, absolutamente claro, absolutamente só enquanto considerava atento, observando os canteiros de cimento: será possível plantar morangos aqui? Ou se não aqui, procurar algum lugar em outro lugar? Frescos morangos vivos vermelhos.
Achava que sim.
Que sim.
Sim.
(Trecho de Morangos mofados, de Caio Fernando Abreu)

Morangos aparecem na obra de dois grandes nomes da literatura brasileira. Mas será por acaso? Como afirma Marcelo Secron Bessa, no prefácio de Melhores Contos de Caio Fernando Abreu (Global), o autor gaúcho faz uma referência clara ao livro de Clarice, do qual era conhecidamente fã.

Uma possível interpretação apontada por Bessa é a de que essas frutas representam a vida. “As histórias de Caio – de amor ou não e até mesmo aquelas consideradas pesadas, chulas e tristes – parecem lembrar que a vida, apesar dos pesares, ainda vale a pena ser vivida (…) Mesmo que estejam mofados, sugere o escritor, os morangos continuam sendo morangos. Em outras palavras, Caio Fernando Abreu nos lembra em seus textos que a vida – apesar de, às vezes, ser dolorosa e um tanto cruel, continua sendo a vida.”

morangos

Em Carta ao Zézim, Caio fala sobre a criação de seu célebre conto:

Aí nasceu, sem que eu planejasse. Estava pronto na minha cabeça. Chama-se Morangos mofados, vai levar uma epígrafe de Lennon & McCartney, tô aqui com a letra de Strawberry fields forever pra traduzir. Zézim, eu acho que tá tão bom. Fiquei completamente cego enquanto escrevia, a personagem (…) tomou o freio nos dentes e se recusou a morrer ou a enlouquecer no fim. Tem um fim lindo, positivo, alegre. Eu fiquei besta. O fim se meteu no texto e não admitiu que eu interferisse. Tão estranho.

E aí surge uma grande diferença entre os dois autores. Enquanto para o personagem de Caio ainda resta um pedacinho de esperança, os morangos presentes no triste fim de Macabéa aparecem apenas como um conforto diante da inevitabilidade da morte.

Na mesma carta, datada de 22 de dezembro de 1979, o autor fala de Clarice, ressaltando seu aspecto triste:

Eu conheci razoavelmente bem Clarice Lispector. Ela era infelicíssima, Zézim. A primeira vez que conversamos eu chorei depois a noite inteira, porque ela inteirinha me doía, porque parecia se doer também, de tanta compreensão sangrada de tudo. Te falo nela porque Clarice, pra mim, é o que mais conheço de GRANDIOSO, literariamente falando.

Talvez o fim dos personagens seja um reflexo de seus criadores no momento da criação. Para nós, o conselho de Clarice serve como lembrete, como serviu para ambos os autores. Nunca esquecer que é tempo de morangos.

Foto original daqui.

Duas pequenas intervenções

EM TEMPO

“Com licença, posso meter um pouco a minha colher no assunto? Mas esse tão badalado realismo fantástico existiu sempre: é a poesia.”

OS EXCITANTES E A SATURAÇÃO

“Antes era a ponta do pé, nos primeiros tempos do romantismo; depois, os braços, de que o velho Machado não tirava os olhos. Agora, que está tudo à mostra, ninguém nota. O mesmo se dá com a literatura, onde tudo se nomeia e nada se diz. E, como a imaginação é que excita e, faltando ela, tudo falta, veio o pulo, o barulho, o berro para substituir a dança, a música, o canto. Em todo o caso, é de se esperar que não se esteja regredindo. Apenas uma pausa. Talvez uma necessária sonoterapia na arte de sentir e de expressar-se.”

– Ambos os trechos são retirados de A Vaca e o Hipogrifo, de Mario Quintana

Caio Fernando Abreu e seus livros

Li Para Sempre Teu, Caio F. (Record), de Paula Dip, em dois dias. É delicioso. Ela, amiga pessoal de Caio Fernando Abreu, nos conta a história do autor gaúcho de forma bem leve e cheia de carinho.

As cartas destinadas a ela, algumas expostas integralmente, são um dos maiores trunfos do livro. Lindas, intensas. Bem à maneira de seu autor. Mas vou avisando: algumas dão uma tristeza, uma saudade… e vontade de escrever pra quem se ama.

Mas não é por isso que eu vim aqui hoje. Durante a leitura, achei trechos bem curiosos sobre os livros do autor. Mais especificamente, são trechos em que Caio Fernando explica os nomes de seus livros.

Separei alguns para postar:

Ovo apunhalado

“Os contos giram em torno dessa unidade vital, o ovo, sangrado pelo punhal do cotidiano seco, pelas muitas formas de opressão, a vida  violentada, você é um ovo apunhalado, eu sou um ovo apunhalado. De onde escorre uma gota de sangue maduro. O próprio livro foi tão apunhalado que censuraram três contos, cortaram algumas ‘palavras fortes’ e proibiram a capa, feita por Bruno Schmidt, o que só confirmou minha teoria sobre ovos e punhais”.

Pedras de Calcutá

O título eu tirei do Trecho de diário, de Mario Quintana: ‘Hoje me acordei pensando em pedra em uma rua de Calcutá…’ Para mim a pedra de Calcutá é a dose cotidiana de poesia ou beleza, ou sonho, ou mesmo escapismo, por que não? Necessária e fundamental para qualquer um continuar vivo… São odaras. Joias raras. No mais, sou um jornalista sem registro, que vivo numa comunidade no Jardim Botânico, em Porto Alegre, numa casinha de madeira, com um casal de amigos, Sandra e Gui, de velhas batalhas pelo mundo, moradores flutuantes e uma gata chamada Tigresa. Planto pitangueira, jacarandá, begônia, gerânio, margarida, samambaia.

 Os dragões não conhecem o paraíso

O Dragões é um livro de contos que eu também chamo de romance móbile, onde até podem faltar algumas peças. Quando eu falo de dragões eu falo do mito chinês daqueles animais fantásticos, que não existem e que eu acho que são muito semelhantes às pessoas ditas loucas, muito semelhantes às pessoas ditas loucas, muito criativas e pessoas que não se adaptam simplesmente a trabalhar, ganhar dinheiro e ter uma vida normal. Eu acho que essas pessoas são dragões e não conhecem o paraíso, que é o paraíso da gratificação burguesa, da gratificação do sistema do forno de micro-ondas, da casa própria. Esse tipo de dragão não conhece mesmo este tipo de paraíso.

Ainda vou fazer um texto completinho sobre o livro da Paula Dip e posto aqui :)